Nos últimos cinco anos, a cidade de Porto Velho se
transformou no maior eixo e receptor de fluxos (humanos, de capitais, de
empresas, etc.) da Amazônia Meridional. O principal fator atrativo foram as
duas grandes construções das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. A
UHE Santo Antônio está sendo construída no trecho onde anteriormente havia a
Cachoeira homônima. Já a UHE Jirau está sendo construída em Jacy-Paraná,
distrito de Porto Velho distante cerca de 100 km da cidade de Porto Velho.
Portanto, ambas as usinas estão sendo erguidas no âmbito do município
porto-velhense. Estes empreendimentos se inserem no contexto do crescimento,
desenvolvimento e projeto de segurança nacional, uma vez que a energia aqui
produzida será utilizada em larga escala pelo Centro-Sul brasileiro.
Além das duas Usinas Hidrelétricas também vieram a
reboque deste “boom” desenvolvimentista, notadamente, um contingente enorme de
trabalhadores oriundos de variados estados brasileiros (Acre, Amazonas, Pará,
Maranhão, Piauí, Sergipe, Bahia, etc.). Assim, ocorreu um incremento demográfico
significativo na cidade de Porto Velho, particularmente por meio de uma massa
populacional de trabalhadores que se instalaram tanto nos alojamentos das usinas
citadas, como também na área urbana de Porto Velho e do distrito de
Jacy-Paraná.
No período compreendido entre 22 de fevereiro a 03
de março do ano de 2011 participei efetivamente de um trabalho técnico de
observação, levantamento e mapeamento dos prostíbulos existentes naquele
momento no distrito de Jacy-Paraná.
O distrito: Jacy-Paraná cidade cuja semântica nos remete ao tupi-gurani, sendo a sua denominação formada a partir da junção das seguintes palavras: Jaci: a lua, de ya, ser, e ci, mãe, pois os índios já sabiam da influência da lua no crescimento dos vegetais (Os indigenas faziam grandes festas
com comidas; laci Omunhã). Paraná: pa'ra "mar" e nã, semeihante, rio grande
semeihante ao mar. Por ilação, podemos concluir que a tradução seria Lua sobre o grande rio ou Lua do grade rio. Trata-se de um distrito
pertencente ao município de Porto Velho, cortado pela BR-364, distante
aproximadamente 89 quilômetros
da capital. Foi historicamente concebido através da construção da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré, tendo uma antiga estação ferroviária (em ruínas
atualmente) e a via férrea cortando o seu território até se comunicar com
Guajará-Mirim (fronteira com a Bolívia). Jacy-Paraná está regionalizado em dois
pólos seguintes:
1) a Velha Jacy – núcleo populacional antigo,
situado ao lado esquerdo da rodovia BR-364 (sentido Acre);
2) a Nova Jacy – núcleo populacional recente,
situado ao lado direito da rodovia BR-364 (sentido Acre) e densamente habitado.
O distrito de Jacy é banhado pelo rio homônimo, que
recorta as terras da Velha e da Nova Jacy, passa pelas pontes (da EFMM) e da
BR-364, desembocando no rio Madeira que banha a margem direita daquele
distrito, isto é, a Nova Jacy.
Segundo informações da grande mídia, a população
residente em Jacy-Paraná é da ordem de 15.000 habitantes. Este crescimento
demográfico se deve à migração de trabalhadores procedentes de outros estados
(Pará, Maranhão, entre outros) para a cidade de Porto Velho e, particularmente,
para o Canteiro de Obras de Jirau, contratados pela Construtora Camargo Correa
e demais empresas subsidiárias.
O distrito de Jacy-Paraná atravessa uma fase de
movimentação ou intenso fluxo de capitais, de pessoas, de mercadorias, etc.,
como corolário do quarto ciclo econômico vivido pelo estado de Rondônia,
gerando uma circulação dos fluxos assinalados somente vista no período áureo da
EFMM e na fase do garimpo de ouro. Observamos “in loco” que a malha urbana expandiu,
sobretudo na Nova Jacy, através da construção de novas casas e surgimento de
outros bairros. Não obstante algumas dezenas de famílias que estão sendo
indenizadas pelo Consórcio Santo Antônio Energia (responsável pela construção
da UHE Santo Antônio, tendo à frente a Construtora ODEBRECHT), visto que
desocuparão áreas atingidas pela inundação das águas dos rios Madeira e
Jacy-Paraná, que afeta pequenas porções habitadas tanto da Nova quanto da Velha
Jacy. Estas famílias atingidas irão morar no Conjunto Parque dos Buritis.
Prostíbulos
observados e mapeados: Os prostíbulos ou estabelecimentos observados e
identificados foram localizados e mapeados. Na realidade, na medida em que
adveio o crescimento demográfico do distrito, bem como, ocorreu aumento dos
fluxos (pessoas, dinheiro, mercadorias, drogas, entre outros) também sobreveio à
instalação e o alastramento de bares, prostíbulos ou inferninhos.
Foram mapeados inúmeros estabelecimentos com as
características acima assinaladas, sendo que os bares constituem fachadas para
a prostituição. A maioria dos bares tem quartos anexos ou próximos, os quais
servem para que as prostitutas façam os seus programas, cujos preços variam
entre 50 a
100 Reais (caso a garota de programa seja mais jovem ou bonita). Certamente, os
donos dos bares ganham com a venda de bebidas alcoólicas aos clientes que frequentam
os seus estabelecimentos, e também, com uma porcentagem pela concessão dos
apartamentos e das chaves. Além dos cômodos anexos, acreditamos que os hotéis também
sirvam para a finalidade dos programas sexuais, tendo em vista dois fatores:
ü Os barrageiros (funcionários da Camargo Correa e
outras firmas subsidiárias), geralmente migrantes, não vem para Jacy-Paraná com
a finalidade de realizar turismo ou fantasias (exceto as sexuais), o que seria
muito dispendioso economicamente porque estes são alojados no Canteiro de Obras
da Construção da UHE Jirau;
ü As prostitutas não vão pagar hospedagem e
alimentação onerosas, pois assim comprometeriam os seus lucros reais, sendo que
muitas são procedentes de Porto Velho, áreas adjacentes à Jacy-Paraná, Nova
Mamoré, Guajará-Mirim, Rio Branco, interior do Amazonas e até de outros estados
da Federação.
Nos dias em que observei “in situ” a movimentação nos prostíbulos, tanto na parte do dia
quanto à noite, pude constatar que as prostitutas eram adultas. Nos bares ou
prostíbulos monitorados não visualizei nenhuma criança ou adolescente em
situação de risco ou que levantasse suspeita de estar sendo explorada
sexualmente. Contudo, deve-se ressaltar
que no período noturno, realmente havia a presença de algumas adolescentes
circulando pelo centro distrital, sobretudo, na Rua José Rodrigues porque entre
este logradouro e a BR-364 havia uma superconcentração de bares, prostíbulos ou
inferninhos, os quais atraiam grande quantidade de pessoas. A absoluta maioria
destes prostíbulos ou estabelecimentos funcionava para fins de prostituição.
Entre estes, existia açougues, pequenas lojas, salão de cabeleireiro, pontos de
moto taxistas, lanchonetes. Determinado dia por volta das 22 horas de sábado,
duas espécies de danceterias que produziam som mecânico, o Tribal Dance e o Esquinão Gelado (separados pela Rua
José Sales e situados um frente ao outro) chamaram minha atenção porque neles
havia a presença de menores dançando e bebendo. Certamente, essas menores que
frequentavam tais ambientes se tornariam vítimas em potenciais dos indivíduos
(barrageiros) que frequentavam aqueles estabelecimentos, pois com a oferta de
dinheiro, uma boa conversa e a “atração”; estas adolescentes ficariam
vulneráveis ou suscetíveis às práticas sexuais e/ou até crimes sexuais, ao
consumo de bebidas alcoólicas e ao uso de entorpecentes.
Quanto ao público masculino que frequenta os prostíbulos
ou estabelecimentos, além de trabalhadores, podem-se incluir traficantes;
foragidos da justiça; elementos armados (com armas brancas ou armas de fogo); e
outros indivíduos que concorrem para a prática de delitos.
Assim, nesses trabalhos de campo identifiquei os
seguintes prostíbulos ou estabelecimentos:
A – Superconcentração de bares, prostíbulos ou
inferninhos - entre a Rua José Rodrigues e a BR-364 (formavam 43 pontos):
1)
BAR SN (Sem Nome), o
primeiro;
2)
BAR SN;
3)
100% Brasil;
4)
BAR SN;
5)
BAR SN;
6)
BAR SN;
7)
Tropical Bar;
8)
BAR SN;
9)
Bar da Preta;
10)
BAR SN
11)
Bar do Magrão;
12)
Comercial
Eduardo;
13)
BAR SN;
14)
Bar 5 estrelas;
15)
Pit Stop Bar;
16)
BAR SN;
17)
BAR SN (Cor Branca, de Alvenaria, Porta de
Blindex);
18)
Bar Arco-iris;
19)
BAR SN;
20)
Selaria
e Sapataria;
21)
Tribal Dance;
22)
Esquinão Gelado;
23)
Salão de
Beleza;
24)
Lojinha;
25)
Samá Jóias;
26)
BAR SN;
27)
Gabi
Variedades;
28)
Loja;
29)
Lan House;
30)
Açougue;
31)
BAR SN;
32)
Açougue;
33) Bar (azul, de esquina, com quartos para
alugar), ponto moto taxi Jacy-Paraná;
34)
BAR SN (verde);
35)
BAR SN, ponto moto taxi;
36)
BAR SN;
37)
BAR SN;
38)
BAR SN;
39)
Bar do Tom;
40)
BAR SN (verde);
41)
BAR do Edson;
42)
Bar da Helena;
43)
Opção
Lanches, o último.
B – Motel Ice Kiss (Rua Raimunda Batista);
C – Bar Casa das Primas (Rua José Sales);
D – Choperia O Boteco (Rua José Sales);
E – Bar Opção e Anexos (acesso pela rua José Sales);
F – Estância, Hotel, Pousada do Marcelo (Rua Sebastião
Gomes);
G – Bar Jirau (Rua Sebastião Gomes);
H – Bar do Mineiro (Rua Sebastião Gomes);
I – Bar Hosanas (Rua Sebastião Gomes);
J – Bar Show 2 (Rua Sebastião Gomes);
K – Bar do Maranhão (Rua José Cauby);
L – Bar da Tia (Rua José Pereira);
M – Clube do Chico Lata (Rua Raimunda Batista com José
Sales);
N – Hotel e Bar Pôr do Sol (Rua Ilário Maia);
O – Bar da Cacau (Rua José Rodrigues);
P – Bar Show 1 (Rua José Rodrigues próximo do auto
posto floresta);
Q – Bar 360 Graus (Rua Recife);
R – Bar Amarelinho (Rua Antônio Gomes);
S – Bar Flutuante do Amor (atrás da Estação da EFMM
desativada).
T – Gago Drinks (Casa de Strip-Tease) – Rua Maurício
Rodrigues
U – Bar SN (tráfico de drogas) Rua José Cauby
V – Bar do Clayton (Rua Raimunda Batista)
W – Bar Samaúma (Rua Raimunda Batista)
X – Bar das Gatas e Tigresas (Rua Antônio Generino)
Y – Bar Novo (Rua José Cauby)
Z – Bar da Fama (Rua José Rodrigues)
No mês de agosto de 2011, cinco
meses após os primeiros trabalhos de campo, retornei ao distrito de
Jacy-Paraná, sendo que a constatação que pude verificar foi a de que havia
apenas mudado o mapa da prostituição, ou seja, a superconcentração de
prostíbulos ou inferninhos havia sido derrocada por força de mandado da Justiça
Federal. Contudo, os “bares” já estavam dispostos e espraiados por diversas
ruas daquela localidade.
Considero que enquanto a UHE Jirau
não chegar ao seu término, infelizmente, a população residente no distrito de
Jacy-Paraná terá que conviver com este fenômeno chamado prostituição que é tão
antigo quanto à própria humanidade. Porém, temos que continuar vigilantes com
relação à exploração sexual de crianças e adolescentes. Para isso, basta
fazermos a nossa parte, sobretudo, informando as autoridades policiais através
do registro de Boletim de Ocorrência (ainda que de forma anônima) sobre casos
concretos de eventuais crimes que ocorram contra crianças e também
adolescentes. Neste sentido, acredito que casos em que crianças e adolescentes
foram vitimadas, sendo estes devidamente constatados no Posto de Saúde local,
originaram-se a partir das residências de famílias, em tese, desestruturadas,
ou seja, famílias em que não havia a mãe ou o pai de família devido a
separações conjugais. Neste contexto, os peões ou barrageiros mal intencionados
teriam se aproximado das famílias, geralmente “ofertando vantagens econômicas”,
o que se propiciava um ambiente ideal para que muitas menores provavelmente
tenham se envolvido sexualmente com estes indivíduos e até engravidado em
certos casos.
Em termos práticos e conforme
pesquisa que realizei junto à Delegacia Especializada de Proteção à Criança e
ao Adolescente (DEPCA), sediada na Capital Porto Velho, verifiquei que não
havia registros de Ocorrências Policiais de casos concretos com nomes de vítimas, endereços residenciais;
nomes ou apelidos de supostos infratores ou autores; datas e tipificações
criminais de delitos praticados contra vítimas menores. Na realidade, a
partir da Gestão da Delegada Noelle Caroline Xavier Ribas Leite, a partir do
segundo semestre de 2010, esta Delegacia vem realizando excelentes trabalhos,
os quais têm reconhecimento tanto da população quanto das Autoridades.
Porquanto, a prostituição no
distrito de Jacy-Paraná é apenas uma faceta dentre tantos outros impactos
sociais, econômicos e ambientais negativos
proporcionados pela construção das duas Usinas Hidrelétricas destacadas. Desta forma, os lindos e naturais rincões que deveriam brilhar com o reflexo natural da lua sobre o grande rio atualmente estão sendo totalmente ofuscados pelas luzes multicoloridas (vermelhas, azuis, pretas, etc.) dos prostíbulos que adensam a área urbana daquele distrito.
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